A+A- Peça “As Preciosas” aborda lugar das mulheres no mundo

O que mais chama a atenção na nova montagem teatral do Grupo Casa é o cenário. Na balança, as três atrizes em cena passam longe do peso que é visto da plateia, um conjunto de andaimes em estrutura aparente que chega a quase meia tonelada.

E que, de altura, mede cinco metros, bem mais que o dobro do tamanho somado de Kelly Figueiredo, Lívia Lopes e Renata Cáceres, que interpretam, respectivamente, Luci, Eva e Madalena.

Essas são as personagens da peça “As Preciosas”. Ao longo de 45 minutos, a missão é manter em funcionamento a máquina do tempo da humanidade, materializada na armação de andaimes, que, não raro, emperra e deixa as três heroínas em polvorosa.

Baseado no livro “Na Companhia de Bela”, de Susana Ventura, Cassia Leslie e Roberta Asse, as quais Ligia Prieto, diretora do espetáculo, conheceu durante a pandemia, em 2020, o enredo de agora apresenta as funcionárias da tal máquina, amparada em cena por uma imagem da Terra projetada em vídeo, na batalha para “sincronizar a consciência humana com o período cronológico histórico”.

Conforme o texto original, muitos dos contos de fada dos séculos 17 e 18, que se tornaram universais com a assinatura de autores homens, a exemplo dos irmãos Grimm, saíram, na verdade, das mãos e mentes de mulheres, como a francesa Jeanne-Marie Leprince de Beaumont.

A reivindicação dessa autoria serve de pretexto ao pano de fundo da peça que, além de falar necessariamente sobre copyright, também aborda o lugar e a condição da mulher desde então.

A montagem integra o projeto Mulheres em Cena – Manutenção do Grupo Casa, contemplada pela edição 2021 do Programa de Fomento ao Teatro (Fomteatro), da Prefeitura de Campo Grande, e fica em cartaz até este domingo, com duas sessões diárias: uma às 19h e outra às 20h30min, na Casa de Ensaio (Rua Visconde Taunay, nº 203, Bairro Amambaí).

Os ingressos, a R$ 10 (meia-entrada) e R$ 20 (inteira), estão disponíveis pela plataforma Sympla. As apresentações contarão com intérprete de libras, e 10% dos bilhetes serão destinados a pessoas surdas. Outros 10%, como contrapartida contratual, são reservados à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur).

Nos últimos dias, a reportagem do Correio do Estado deu uma espiada em dois ensaios da montagem e abriu o microfone para a diretora e suas atrizes, que, aliás, são três profissionais oriundas da palhaçaria, da dança e da acrobacia aérea, mas com pouca experiência no teatro dramático.

STAR WARS
Ligia começa falando sobre a tal máquina criado pelo diretor de arte Raphael Henrique: “Quando pensei na estrutura, eu vi uma foto de modelos em andaimes fazendo uma propaganda de alguma outra coisa. Ao olhar aquela imagem, com uma armação toda de andaime, tinha alguns elementos como se fossem uma máquina. Daí eu falei: ‘Cara, esse é o cenário de As Preciosas’. E tinha uma impotência, um lugar em que elas precisavam existir ali, pois tinham cores e tecidos que percorriam”, conta a diretora.

“Olhei aquilo e fiquei encantada. Mandei a ideia inicial para o Henrique, e ele me devolve essas construções, essas engenhocas, um telescópio, uma ampulheta que gira o tempo inteiro e outras pequenas engrenagens que também se movimentam. Se fosse filme, seriam aquelas grandes naves espaciais que a gente vê em ‘Star Wars’, sei lá o quê. Isso me vem muito a cabeça”, afirma Ligia, que segue endereçando a trama para uma dimensão interplanetária.

“Quando vi que elas [personagens] ficavam fora da Terra, não dava para ser uma coisa pequenininha. A grandiosidade do cenário é porque a gente está no universo, falando de muita coisa, de todas as mulheres que escrevem, de um período que não é fixado. O espetáculo é atemporal. Você não sabe onde fica isso no espaço-tempo. Começa datado, em 1654, com os períodos em que as preciosas começaram a escrever, mas ele termina com os dias atuais”, explica.

A diretora, também responsável pela dramaturgia, conta ainda que precisava de um “lugar grandioso”, que desse a “possibilidade delas entenderem esse espaço, de trazer essa urgência nesse peito de mulher”. Daí a razão de ser das traquitanas.

“Essa máquina emperra toda hora, e elas precisam encontrar alguma saída, que é o que a gente vive hoje. A humanidade está em uma máquina velha, repetindo as mesmas coisas, sem conseguir encontrar saída que, de fato, resolveria os problemas, como o feminismo e todos os outros lugares de questionamentos sociais enfrentam. A máquina é a quarta ‘atriz’, esse elemento em cena que conta a história junto”, crava Ligia.

AS PERSONAGENS
“Eva é uma personagem mais dura, firme, que faz muito barulho e não tem tantas esperanças igual Madalena, mas, mesmo assim, ela tem um pouco mais de esperança que Luci, pois está no meio entre as duas, que é um pouco mais barulhenta e de cara fechada. Sinto ela densa, cansada, exausta, sempre correndo, tentando fazer alguma coisa dar certo”, diz Lívia sobre sua personagem.

“Madalena é uma escritora, uma mulher jovem, leve, e que ainda está descobrindo essa máquina, esse lugar onde chegou e está. É tudo muito recente, novo, e, ao mesmo tempo, um trabalho difícil, feminino e árduo que ela tem de dar conta. A sorte é que ela não está sozinha, tem outras mulheres mais experientes que vão a orientando, direcionando esse lugar, como se fossem mentoras mesmo”, pontua Renata sobre o seu papel.

Mas que lugar é esse, Renata? “Vejo como se fosse um lugar para além da Terra mesmo, um lugar meio espiritual, onde as energias femininas se manifestam e consiga fazê-las fluir”, descreve.

Já Kelly revela que Luci, sua personagem, é uma mulher forte. “Para ela, não existe essa possibilidade de uma saída, pois nada funciona e tudo sempre dá errado. Ela é um pouco assim, negacionista, porque já fez de tudo para que haja mudança, a qual nunca acontece. Luci está sempre um pouco rebelde, revoltada com as coisas que não andam, não evoluem e não saem do lugar”, ressalta.

“As Preciosas” também conta com a direção musical de Sofia Basso.

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