Advogado vê condenação de Bolsonaro como alerta para candidatos à reeleição
Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deram um aviso claro aos candidatos à reeleição nas próximas eleições quando declararam a inelegibilidade do ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e do seu ex-candidato a vice-presidente, general de Exército Walter Braga Netto, ambos do PL, pela prática de abuso de poder político e econômico ao encavalar desfiles cívico-militares de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil com comícios eleitorais em Brasília (DF) e São Paulo (SP) no 7 de setembro de 2022.
No entendimento do advogado eleitoralista Alexandre Ávalo, que é procurador-geral do Município de Campo Grande, mestre em Direito e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), mais do que um aviso, foi um alerta para que os candidatos que tentarão a reeleição em 2024 precisam evitar se colocar em contextos que trazem dividendos eleitorais a seu favor sob pena de terem os direitos políticos suspensos pelo crime de usar recursos e estruturas públicas para obter vantagens inalcançáveis por seus adversários.
“O tema da reeleição desde de sempre dividiu opiniões, entre apoiadores e críticos desta característica do sistema eleitoral brasileiro, a qual traz dificuldades, a exemplo das enfrentadas no precedente. A ideia de reeleição deve ser apreciada considerando o atual modelo constitucional brasileiro, principalmente na acepção adequada dos direitos políticos fundamentais (direito de votar e de ser votado). Nesse contexto, é importante registrar que, em que pese a previsão expressa que autoriza a reeleição (artigo 14, §5º da Constituição Federal), o exercício deste direito fundamental não pode servir de sustentáculo para afronta de outras normas e princípios que repercutem outros direitos políticos fundamentais”, pontuou Alexandre Ávalo.
Ele acrescentou que, em termos de eleições, o candidato deve primar por uma aplicação capaz de densificar a necessária coexistência entre os valores constitucionais que resguardam um pleito eleitoral salutar, garantidor do exercício do voto, dentro de uma ordem jurídica justa.
“Para tanto, a legislação eleitoral prevê expressamente algumas situações que são vedadas aos agentes públicos, visando salvaguardar o sistema, na medida que não permite a utilização promocional em prol de candidatos de bens, serviços, eventos custeados pelo Poder Público, com o objetivo de conferir isonomia entre os candidatos, a exemplo do artigo 37, §1º da Constituição Federal e artigo 73, incisos I e IV, da Lei Federal nº 9.504/97”, citou.
Assim, conforme o advogado eleitoralista, o legislador elencou condutas que configuram abuso, a fim de coibir notadamente aquelas que possam desequilibrar o pleito contrariando a desejada isonomia entre os concorrentes (assegurada constitucionalmente).
“Ou seja, o rol das condutas que configuram abuso de poder político não são numerus clausus, pois a lei não traz de forma fechada todas as hipóteses de condutas vedadas aos candidatos, mas das suas premissas é possível construir interpretação preventiva por parte das candidaturas e dos candidatos, sempre com intuito de resguardar a lisura do pleito”, relatou.
Em suma, Alexandre Ávalo declarou que, apesar da legislação não prever todos os casos que configuram abuso de poder, traz premissas que resguardam um pleito democrático, vedando, por exemplo, a promoção pessoal utilizando bens e serviços públicos, sendo imperioso analisar as condutas no caso concreto, de modo a identificar quando a conduta caracteriza situação inerente ao cargo ocupado e quando a situação se caracteriza abuso de poder.
“Dessa forma, conforme se constata no precedente construído a partir dos debates de alto nível travados no âmbito da Corte Eleitoral, a partir da norma constitucional e da legislação eleitoral, é possível delimitar a necessária distinção entre a figura do ocupante de cargo público e do candidato à reeleição”, afirmou.
Sobre o fato de os ministros do TSE afirmarem que Bolsonaro tinha a capacidade de fazer a separação suficiente entre ato oficial e comício ao fazer uma caminhada de 350 metros entre o local do desfile cívico-militar e o carro de som estacionado na Esplanada, o especialista em Direito Eleitoral e Político argumentou que o candidato tem de ser o primeiro juiz da causa.
“Em outras palavras, os candidatos, principalmente aqueles que estão concorrendo à reeleição, devem ser os primeiros a fiscalizar a lisura e equilíbrio do pleito, devem, por exemplo, evitar se colocar em contextos fáticos, que, apesar de revestidos de legalidade, podem trazer dividendos eleitorais incompatíveis com o princípio da isonomia que deve permear o pleito para todos candidatos”, aconselhou.
Portanto, de acordo com ele, o candidato à reeleição deve separar sua atuação como agente público daquela inerente à figura de candidato.
“A linha é muito tênue e pode ensejar uma interpretação prejudicial ao candidato e à sua candidatura, pois, quando atua como agente público, deve se comportar de acordo com os princípios da administração pública, especialmente da impessoalidade e da moralidade, não se admitindo promoção pessoal ou utilização da máquina pública em prol de sua campanha, o que caracteriza desvio e abuso”, analisou.
Alexandre Ávalo sugeriu imaginar se o candidato à reeleição pudesse inaugurar obras públicas até a véspera do dia da votação. “O pleito seria justo e equilibrado? Canja de galinha e cautela não faz mal a ninguém. Um dos critérios que pode ser usado é o da igualdade de oportunidade, respondendo a si mesmo”, pontuou.
Um exemplo, no entendimento dele, são as seguintes indagações: os outros candidatos poderiam fazer campanha nesta situação? Bens e Serviços estão sendo utilizados em benefício da minha candidatura? “Caso as respostas sejam afirmativas, o candidato certamente incorrerá em condutas vedadas”, assegurou.
Por outro lado, o advogado eleitoralista completou que não se pode confundir o abuso com algumas situações inerentes ao cargo que ocupa, a vedação está no desvio de finalidade, ou seja, enquanto agente público, ele não pode fazer campanha eleitoral quando exerce seu múnus público – obrigação imposta por lei em atendimento ao poder público, que beneficia a coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei.
“Mais uma vez, cautela, bom senso e uma assessoria qualificada e preventiva são elementos fundamentais para os candidatos ao pleito eleitoral”, finalizou.