Maioria das mulheres detentas sofreu violência física ou sexual antes da prisão

Estudo feito pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, por meio do Núcleo de Atendimento e Defesa à Mulher (Nudem) e da Coordenadoria de Pesquisas e Estudos (CPES), aponta que a maioria das mulheres encarceradas em Campo Grande já sofreu violências domésticas e/ou sexuais antes da prisão.

Os dados coletados por meio de entrevista voluntária realizada com mais de 70% das mulheres presas no Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi apontam que, das 230 detentas ouvidas, 58,57% foram vítimas de violência doméstica antes da prisão.

Além disso, 30,43% das mulheres também indicaram ter sofrido violência e/ou abuso sexual na infância e adolescência.

De acordo com uma das responsáveis pelo estudo, a psicóloga Keila de Oliveira, boa parte das entrevistadas relata que saiu de casa após essa violência. Já outras mulheres ouvidas apenas identificaram que passaram por violências sexuais.

“Muitas mulheres só têm a referência da mãe ou foram até criadas por avós. E, nessa trajetória, sim, o pai, o padrasto ou o tio foram os abusadores. E há meninas que, após serem abusadas, foram para a rua”, relata.

O levantamento exclusivo da Defensoria Pública aponta também que 89,57% dessas mulheres presas são mães. Dessas, 59,71% tinham menos de 17 anos de idade quando tiveram o primeiro filho, 11,65% entre 11 anos e 14 anos, o que, de acordo com os organizadores do estudo, revela também os abusos sexuais sofridos.

A maternidade foi o principal vínculo cortado após a prisão. Entre as mães ouvidas pelo estudo, 69,42 % têm de um a três filhos; em 65,05% dos casos, os filhos são menores de 12 anos de idade.

Após a prisão dessas mães, 42,97% das crianças ficaram sob os cuidados dos avós, até porque boa parte sofreu abandono dos pais.

MOTIVOS
O principal motivo que levou essas mulheres à prisão foi a questão financeira. De acordo com o estudo feito, 41,74 % das entrevistadas relataram que foi a necessidade econômica que levou ao crime. As outras duas motivações apresentadas foram: vínculo emocional/sexual (16,52%) e vínculos afetivos (13,04%).

Apesar de 70% das mulheres encarceradas estarem com algum tipo de ocupação profissional no momento da prisão, as principais atividades listadas não eram empregos com carteira assinada, mas, sim, informais, como diaristas, faxineiras, babás, cuidadoras e manicures.

Dessas mulheres, 90% eram responsáveis pelo sustento material dos filhos ou de alguém antes de serem presas.

Além disso, a maioria dos crimes que levaram à prisão dessas mulheres foi relacionado ao tráfico de drogas.

De acordo com o pesquisador e sociólogo Raphael de Almeida, esse alto número de encarceramentos por tráfico de drogas é notado não apenas no Estado, por ser uma das principais rotas de entorpecentes no continente, mas em todo o País.

“De forma geral, o que movimenta o encarceramento brasileiro, masculino e feminino, é o tráfico de drogas”, explica o sociólogo.

REMÉDIOS PSIQUIÁTRICOS
O levantamento apontou também que 64,96% das entrevistadas fazem uso contínuo de medicamentos psiquiátricos. Dessas, 43,59% passaram a utilizar esses remédios após a prisão.

Apesar de não haver um acompanhamento psicológico ou psiquiátrico para essas mulheres na prisão, na maioria dos casos, por falta de profissionais qualificados no presídio, 83,76% das entrevistadas pela Defensoria afirmaram que estão recebendo todos ou a maioria dos medicamentos no estabelecimento penal.

“Algumas, quando foram presas, disseram que já tomaram e ‘tinham uma receita’ ou traziam queixas do tipo ‘não consigo dormir’, ‘estou muito nervosa’, entre outras coisas. Boa parte delas também é usuária [de drogas], e a abstinência causa vários sintomas e comportamentos que fazem com que procurem por medicação para controlar essa abstinência”, diz a psicóloga.

A profissional comenta que é necessário melhor atendimento a essas mulheres, para não haver reincidência no crime. Segundo os dados, 59,57% já haviam sido presas e 40,43% eram rés primárias.

“Boa parte delas também reincidiu no crime porque deve ao tráfico ou porque, quando saiu de lá, os laços familiares estavam tão desgastados que o vício, a droga, a dependência eram o caminho. E elas não foram tratadas dessa dependência. Tiveram alguns casos de mulheres que estavam morando na rua, foram presas e estavam pedindo para a gente que, quando saíssem, fossem para uma clínica de reabilitação”, afirma Keila de Oliveira.

ABANDONO
Das mulheres ouvidas pelo estudo, 57,83% nunca receberam visitas na prisão. O levantamento aponta o abandono dessas pessoas que vivem em situação de privação de liberdade, por conta da distância do presídio (38,94%), falta de condições econômicas (26,92%) e até falta de interesse dos possíveis visitantes (12,98%).

Além de boa parte delas ter perdido o vínculo com os filhos, das 64 mulheres entrevistadas que indicaram manter um relacionamento afetivo com alguém que não está preso, apenas duas recebem visitas.

Apesar de a maioria delas estar solteira, 68,70% mantinham algum relacionamento afetivo/sexual até o momento da prisão. Dessas, 56,96% terminaram os relacionamentos.

OUTRAS VIOLÊNCIAS
Mesmo dentro da prisão, algumas dessas mulheres continuaram sofrendo um tipo de violência, a obstétrica. De 18 mulheres que tiveram filhos na prisão, apenas 3 tiveram a oportunidade de ter um acompanhante na hora do parto. As demais não sabiam da possibilidade ou tiveram esse direito negado.

Além disso, outras questões de gênero foram levantadas pela Defensoria Pública de MS, como a falta de absorventes, métodos contraceptivos e até mesmo conhecimento dessas opções.

“A gente perguntou se elas recebiam informações sobre direitos sexuais reprodutivos, sobre as ISTs, que são as infecções sexualmente transmissíveis, e 30% disseram que sim, mas 90% não tiveram acesso aos métodos contraceptivos. É como se estar presa servisse como método contraceptivo, e não é dessa forma”, relata a defensora e coordenadora do Nudem, Thais Dominato.

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